Quando a frustração se transforma em anestesia emocional e como reencontrar o sentir com respeito, tempo e presença

Você já se pegou testando o próprio corpo — apertando o braço, tocando o rosto, batendo de leve no peito —

como quem quer confirmar:

“Ainda estou aqui?”

Você sente, mas não sente.

Está, mas não se reconhece mais.

E não é uma ausência total.

É uma presença amortecida.

Como se uma névoa estivesse entre você e o mundo.

Entre você e tudo aquilo que, um dia, te tocava com facilidade.

Seu corpo ainda se move.

Mas sua alma…

parece que pediu um tempo.

E não é exagero, não é drama — é mecanismo de sobrevivência.

A frustração pode não ter te quebrado.

Mas te congelou.

Depois de tantas tentativas, de tantos “agora vai” que não foram,

de sonhos adiados, de respostas que não vieram,

de mãos estendidas que não encontraram outras de volta…

Algo em você decidiu:

“Melhor não esperar mais. Melhor não sentir.”

E você não parou de viver.

Mas parou de viver do mesmo jeito.

Faz o que precisa, responde quem te chama, sorri por educação.

Mas por dentro, tudo está suspenso.

Como se a alma tivesse se recolhido para um lugar mais seguro.

E foi aos poucos.

Você foi apagando a luz de dentro de cada cômodo da sua esperança.

Primeiro a raiva.

Depois a tristeza.

Depois o silêncio.

E agora, essa espécie de apatia.

Você não desmoronou.

Mas também não se levanta inteiro.

Anda. Mas sem chão.

Respira. Mas sem ar novo.

E o que ninguém vê… é que essa casca que você carrega também é um cuidado.

Você não está errado.

Não está falhando.

Essa casca é um grito abafado.

É um pedido por pausa.

É o seu corpo emocional dizendo:

“Preciso de tempo para confiar de novo.”

E sim — essa casca pode ser um casulo.

E casulos, apesar de apertados, são espaços de transformação.

Eles guardam a transição entre o que fomos e o que podemos ser.

Não sinta culpa por não sentir.

Isso também é um sentimento, mesmo que à primeira vista pareça ausência.

A anestesia emocional é o cansaço do sentir constante.

É a saturação do coração que já se rasgou tantas vezes,

que agora só consegue seguir em silêncio.

Mas escuta isso… com calma:

A apatia que parece o fim, muitas vezes, é só um intervalo.

É o corpo se protegendo enquanto o novo se forma.

Você não precisa reagir com euforia.

Nem provar força para ninguém.

Só precisa começar a escutar — não o que os outros dizem —

mas o que esse estado está tentando te dizer.

Um convite para reencostar em si

E como fazer isso?

Te convido a um pequeno ritual.

Toda vez que você for lavar as mãos,

não faça no automático.

Abra a torneira devagar.

Deixe a água escorrer pelas mãos como se nunca tivesse sentido isso antes.

Sinta a temperatura. A textura. A velocidade.

Deixe a água te lembrar que você ainda sente.

Sente sim.

Só que, agora, com mais cuidado.

Porque quando você traz atenção para um gesto simples,

você convida a alma a voltar.

Você não precisa grandes rituais.

Precisa de pequenos acordos com a própria presença.

Pode ser ao lavar as mãos.

Ou ao ouvir uma música que um dia te despertou.

Ou ao caminhar por um lugar que te fez bem.

Ou ao deixar que uma memória te emocione outra vez — sem pressa, sem julgamento.

E sabe quando o sentir volta?

Quando você para de cobrar que ele volte.

E só escuta.

E só permite.

E só se encosta em si.

Porque, às vezes, a anestesia não é o fim da sensibilidade.

É só o começo de um novo jeito de sentir.

*E quando esse sentir retornar *—

ele pode não vir como um sopro leve ou um alívio imediato.

Talvez venha tímido, desconfiado, testando terreno.

Misturado ao receio de ser ferido de novo.

Com um pé no novo e outro ainda preso na memória do que doeu.

Mas ele virá.

E, mesmo que venha trêmulo, ele é prova de que você ainda está aí.

Respirando.

Esperando.

Desejando — ainda que baixinho — voltar a viver com presença.

Quando o silêncio começa a contar outra história

Porque é nesse momento que o silêncio deixa de ser ausência

e passa a ser abrigo.

Esse silêncio que agora te habita…

não veio para te punir.

Veio para te preservar.

Ele não é ausência de vida.

É pausa fértil.

Solo que parece seco por fora,

mas por dentro está cuidando de sementes invisíveis.

Há momentos em que a alma se cala —

não porque desistiu,

mas porque aprendeu a escutar algo mais sutil do que o mundo consegue compreender.

Você está em processo.

E processos reais não gritam.

Eles sussurram.

E um dia, talvez sem grandes sinais,

você vai sentir vontade de reorganizar seus livros,

de ouvir uma música antiga,

de olhar uma planta com olhos molhados —

e não saber explicar por quê.

É nesses pequenos gestos que o sentir volta.

Não com euforia.

Mas com verdade.

Com mais respeito pelo que você viveu,

com mais paciência com o que ainda está cicatrizando.

Porque você não precisa voltar a ser quem era.

Você pode se permitir nascer diferente depois da anestesia.

Mais leve. Mais lúcido. Mais seu.

E se hoje tudo parecer pesado demais,

não lute contra isso.

Sente com o que pesa.

Olhe para si com ternura —

como quem reencontra um velho amigo cansado de fingir que estava bem.

Você não precisa pressa.

Você precisa verdade.

E, aos poucos, o sentir se aproxima.

Primeiro como um sopro.

Depois como um fio de luz atravessando a fresta da alma.

Até que, um dia, você se veja sorrindo diante de um amanhecer —

não porque tudo passou,

mas porque algo dentro de você, finalmente, sussurrou:

“Ainda estou aqui.”

E é nesse instante que você entende:

a anestesia emocional não foi o fim.

Foi um abrigo silencioso.

Um cuidado invisível.

O espaço onde sua alma se recolheu —

para, com tempo e dignidade, poder renascer.

Reflexão para levar com carinho:

Qual parte sua ainda vive em silêncio, esperando ser ouvida com delicadeza?

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